Pessoas assistem ao lançamento do ônibus espacial Atlantis no seu último voo a partir do Centro Espacial Kennedy em Cabo Canaveral,na Flórida,em 8 de julho de 2011 — Foto: Philip Scott Andrews/T
Pessoas assistem ao lançamento do ônibus espacial Atlantis no seu último voo a partir do Centro Espacial Kennedy em Cabo Canaveral,na Flórida,em 8 de julho de 2011 — Foto: Philip Scott Andrews/The New York Times
GERADO EM: 19/07/2024 - 04:30
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O astronauta americano Neil Armstrong não exagerou ao dizer que sua pegada na Lua,em 20 de julho de 1969,representava um “grande salto para a Humanidade”. Passados 55 anos do clímax da corrida espacial,apontado por muitos historiadores como o fim da corrida espacial,o conhecimento adquirido ainda permite à comunidade científica dar passos mais largos no espaço,enquanto o satélite natural segue despertando interesse e atraindo velhos e novos conhecidos para sua órbita. E,ainda que do sofá de casa a exploração espacial possa parecer distante e impessoal,o “grande salto” também vale para todos na Terra. A Nasa (agência especial americana) garante: “Há mais espaço na sua vida do que você pensa.”
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A frase se refere a tecnologias inicialmente desenvolvidas para a exploração espacial,mas que acabaram migrando para a sociedade na forma de produtos,serviços,softwares,know-how,métodos etc. Segundo um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de 2021,várias agências espaciais registraram aumento “significativo” de licenciamento para transferência de tecnologia espacial — ou spin-offs — nos últimos anos.
Entre 2015 e 2017,o Centro Aeroespacial Alemão (DLR) mais que triplicou suas receitas de licenciamento,que autoriza o uso de uma tecnologia: passou de € 2,3 milhões para € 6,65 milhões. Avanço similar ocorreu com o Instituto de Pesquisa Aeroespacial da Coreia do Sul,que saiu de pouco mais de US$ 400 mil em 2012 para US$ 1,2 milhão em receitas de licenciamento em 2016,ano em que fez 23 contratos. Já a Agência Espacial Europeia (ESA,em inglês),que tem 22 estados-membros,chega a patentear entre 10 e 20 invenções por ano. No caso da Nasa,mais de 2 mil spin-offs foram incorporados no dia a dia das pessoas desde 1976 — a maior parte no setor de manufatura e produtos para consumo,segundo a OCDE.
— Em uma determinada época,o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) desenvolveu produtos à base de diamantes para proteção dos objetos dos satélites. Esse mesmo produto foi usado para fazer brocas odontológicas — disse o presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB),Marco Antonio Chamon,ao GLOBO. — Então,o mesmo produto,o mesmo desenvolvimento,que foi feito objetivando a área espacial,transborda para uma área que não tem nada a ver com a área de espaço,que é a odontológica.
Faça um experimento: pegue o celular e abra a câmera. A qualidade vista na imagem só é possível graças ao Sensor CMOS (Complementary metal-oxide-semiconductor),desenvolvido por Eric Fossum na década de 1990 no Laboratório de Propulsão a Jato (JPL) da Nasa. A tecnologia CMOS já existia na década de 1960,mas foi nas mãos de Fossum que se tornou mais compacta e barata e,segundo a própria agência,um dos spin-offs mais “onipresentes”. Além dos celulares,está também na famosa câmera GoPro.
Outra transferência famosa é a espuma viscoelástica (memory foam). Apesar de ter sido criada em 1966 por Charles Yost para absorver choques em aeronaves,aumentando a chance de sobrevivência ao oferecer mais proteção,a espuma — que se adapta ao contorno do corpo quando pressionada — pode preencher capacetes,sapatos,assentos (de motocicletas,carros de corrida e cadeiras de rodas),próteses e também travesseiros. Há também as lentes de óculos de sol com proteção contra raios ultravioletas (UV),pensadas inicialmente na década de 1980 para evitar os efeitos nocivos da luz no espaço e a radiação artificial produzida durante trabalhos a laser e soldagem.
Já pesquisas sobre o uso de microalgas como fonte de alimento,oxigênio e catalisador para eliminação de resíduos em voos de longa duração resultaram na identificação de uma cepa que produz o ácido docosahexaenoico (DHA) e no método para extrair o ácido araquidônico (ARA) de um fungo — ambos usados em fórmulas infantis para garantir o desenvolvimento de recém-nascidos. Citando uma pesquisa de 2011 que analisou 187 spin-offs,o relatório da OCDE destaca que,entre outras tecnologias,os nutrientes para fórmula infantil e os novos materiais usados em implantes cirúrgicos impactaram positivamente 30 milhões de pessoas entre 2007 e 2010.
Vale citar ainda o Sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (HACCP),desenvolvido nos primeiros dias do programa Apollo (1962-72) devido à preocupação com a segurança dos alimentos dos astronautas. O sistema — que consiste em analisar,identificar e determinar como os riscos na produção de alimentos podem ser evitados,controlados ou eliminados — foi adotado nos EUA,por grande parte da Europa e por países que exportam produtos para eles,como o Brasil.
Para Chamon,muitas das vantagens adquiridas no dia a dia com as atividades fora da Terra são ignoradas porque “a maior parte do que é visível” para a população fica limitado ao imaginário da viagem à Lua,astronautas e foguetes.
— Mas,desde o começo da corrida espacial,tirando a viagem à Lua,que era o grande objetivo da corrida espacial dos anos 1960,a maior parte dos satélites feitos até hoje não foi para explorar o espaço,mas para olhar para a Terra — explicou,acrescentando: — A maior parte deles é (voltada para) telecomunicações,meteorologia,observação de desmatamento e focos de queimadas.
Por exemplo,aplicativos que oferecem serviço de transporte usam o GPS,sistema possível graças a uma constelação de satélites. Com suas imagens aéreas,esses equipamentos também dão a dimensão de tragédias como enchentes e de conflitos como na Faixa de Gaza,com acompanhamento do avanço do Exército de Israel,da movimentação dos palestinos e da destruição do enclave.
Rastro do Sputnik é mostrado como um raio de luz no céu,fotografado sobre a Austrália em 4 de outubro de 1957. — Foto: The New York Times
O astrônomo Helio J. Rocha-Pinto observa que o desenvolvimento tecnológico costuma ser impulsionado por alguma demanda fundamental,seja ela "científica,econômica ou militar" — esta última,o impulso da corrida espacial,nascida no auge da Guerra Fria. Para além da propaganda,havia o desejo das potências em controlar a técnica de lançamento de foguetes para “ameaçar um país e ao mesmo tempo projetar o seu poder militar e econômico sobre boa parte do planeta.” Tanto que o primeiro satélite artificial da História,o famoso Sputnik 1 (1957),foi lançado pela extinta URSS.
— Quando você é capaz de levar um foguete à Lua,é capaz de enviar aquele foguete para qualquer outro canto da Terra com uma bomba na ogiva — explicou Rocha-Pinto,que também é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). — Nesse período entre o estouro da primeira bomba (atômica,em 1945) e a conquista da Lua (é) que a gente vê o desenvolvimento de foguetes de grande escala.
Mas,além do desenvolvimento tecnológico,um dos principais retornos da corrida espacial é verdadeiramente olhar para a hostilidade e o caos do universo e reconhecer os impactos que podem ter para os habitantes da Terra. Um desses exemplos é a Cratera do Meteorito Barringer,localizada no Arizona.
Visitantes olham para a borda da Cratera do Meteoro,no Arizona,em 17 de janeiro de 2009. — Foto: John Burcham/The New York Times
Antes de os astronautas pisarem na Lua,os astrônomos “pensavam que as crateras que havia na Lua eram vulcânicas,porque na Terra,quando você vê uma cratera,em geral,é vulcânica”,conta a vice-diretora de Ciências Planetárias do JPL,Rosaly Lopes.
Ainda na primeira década dos anos 1900,o geólogo Daniel Moreau Barringer afirmou que a cratera,em vez de uma origem sedimentar,teria sido causada por impacto. Inicialmente,a hipótese não foi bem recebida pela comunidade científica,mas foi revista com o programa Apollo (1962-72) e pelo geólogo Gene Shoemaker na década de 1960.
— As pessoas começaram a pensar 'bem,se aconteceu no passado,pode acontecer agora' — disse Lopes.
Por sua vez,esse pensamento resultou no desenvolvimento prático de defesas a potenciais ameaças vindas do espaço. Como exemplos,a pesquisadora cita o sistema de Defesa Planetária (o Planetary Defense) da Nasa e a missão Double Asteroid Redirection Test,ou simplesmente Dart,que,lançada em novembro de 2021 contra o asteroide Dimorphus (que não apresentava qualquer perigo),alterou pela primeira vez a órbita de um corpo celeste.
Para Lopes,porém,para além dos benefícios práticos,a exploração espacial tem um fim muito específico em si mesma: inspirar as novas gerações.
— Há muitas pessoas que trabalham no meu laboratório e na Nasa que foram inspiradas pela missão Apollo,pelo programa Space Shuttle (Ônibus Espacial) — disse. — Isso é muito importante para um país onde as crianças queiram estudar ciência,tecnologia e engenharia.
Por fim,as viagens aos espaço também dão à Humanidade sua real dimensão ao fazê-la entender que a Terra é um planeta “muito insignificante no universo”,diz a vice-diretora. Mas se,num primeiro momento,essa compreensão poderia parecer paralisante,os avanços espaciais revertidos em benefícios terrenos vêm provando o contrário: sair do próprio umbigo — e desejar ver de perto a Lua e as estrelas — vale a pena.
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