Um campo de lavanda em Brihuega,pequena cidade nos arredores de Madri,na Espanha — Foto: Emilio Parra Doiztua/The New York Times
Um campo de lavanda em Brihuega,pequena cidade nos arredores de Madri,na Espanha — Foto: Emilio Parra Doiztua/The New York Times
GERADO EM: 18/08/2024 - 04:01
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Um dia em Brihuega,na Espanha,durante a floração da lavanda exige só um plano: chegar aos campos ao pôr do sol para ver uma inesperada e exuberante faixa roxa que vai até onde a vista alcança,com o brilho laranja do sol espanhol diretamente atrás dela.
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Pequena cidade medieval na província de Guadalajara,com aproximadamente de 12 mil quilômetros quadrados,Brihuega fica a mais ou menos uma hora de carro de Madri,e é cercada por fazendas,vilarejos e reservas naturais de tons marrons e verde-claros. Mas a cada ano,no verão,nos campos onde algumas das batalhas mais sangrentas da Guerra Civil Espanhola foram travadas,essas cores mudam com a floração de mil hectares de lavanda,o equivalente a cerca de 2.500 acres ou três mil campos de futebol americano.
Na última década,a colheita de lavanda revitalizou Brihuega,atraindo visitantes — que são muito bem-vindos,bem como seus euros — com uma beleza natural que rivaliza com os destinos favoritos de férias,como a Provença,na França.
— Não quero falar mal dos franceses,mas acho que nós,espanhóis,somos mais dicharacheros — disse Ángel Corral Manzano,principal lavandeiro da cidade,usando um termo espanhol difícil de traduzir,que significa "extrovertido" e "falante". — Estamos muito ansiosos e entusiasmados para receber vocês.
O lilás da lavanda toma conta das ruas de Brihuega,na província de Guadalajara,na Espanha — Foto: Emilio Parra Doiztua/The New York Times
Eu soube de Brihuega quando estudava na cidade universitária perto de Alcalá de Henares. Uma tarde,com muita vontade de comer queijo manchego e presunto ibérico,entrei na Vinoteca Esencias del Gourmet,loja especializada em vinhos. Enquanto comia croquetes e queijos e bebia um syrah picante,o dono do bar,Javier Hernández,me contou sobre sua cidade natal,Brihuega.
Durante gerações,seus familiares foram os churreros da cidade,os fabricantes de churros. Mas,como muitos jovens em pequenas vilas espanholas,ele deixou Brihuega. "Eu não via um futuro",comentou Hernández. E ele não estava sozinho.
— Brihuega estava começando a perder sua população. Essa era a tendência antes de começarmos a desenvolver nosso modelo socioeconômico,baseado sobretudo no turismo — me disse depois,por e-mail,Luís Viejo Esteban,atual prefeito de Brihuega.
Hoje,a cidade está crescendo,graças ao seu turismo centrado na lavanda. Em julho do ano passado,durante o auge da floração,mais de 120 mil turistas visitaram a cidade,segundo Viejo. A lavanda gera anualmente de quatro a seis milhões e meio de euros,de acordo com um estudo da Universidade de Alcalá de Henares e da Fadeta,federação local de desenvolvimento rural.
— Se você me dissesse há dez anos que,graças à lavanda,haveria tanto turismo,que tantas lojas abririam,tantos restaurantes,eu não acreditaria. Somos só agricultores. Vivemos da terra e para a terra — afirmou Corral. Ele e seus dois irmãos começaram a levar a sério o plantio de lavanda em 2007,depois que Andrés,seu irmão mais velho,visitou a Provença e notou que a região francesa tinha um terreno semelhante ao de sua casa.
Guadalajara já tinha alfazema-brava,planta selvagem da montanha de difícil cultivo,da família da lavanda. Mas os irmãos Corral começaram a cultivar a lavanda francesa,usada em perfumes e aplicações de alta qualidade,e lavandim,planta híbrida da alfazema-brava e da lavanda que pode ser usada para produtos comerciais,como artigos de limpeza.
— Plantávamos grãos (trigo e cevada),mas sabíamos que seria bom diversificar — disse Corral.
Uma abelha num dos campos de lavanda em Brihuega,em Madri — Foto: Emilio Parra Doiztua/The New York Times
O turismo nunca foi o objetivo deles. Começaram devagar,plantando alguns campos de lavanda e lavandim de cada vez. Mas isso cresceu à medida que os irmãos reconheceram que um hectare de lavanda poderia lhes render um pouco mais de dinheiro do que um hectare de trigo. Mais tarde,trouxeram Emilio Valeros,perfumista espanhol e o "nariz" de longa data da marca Loewe Perfumes,como parceiro em sua destilaria para transformar as colheitas em óleo.
Em 2013,a família organizou um concerto ao pôr do sol nos campos de lavanda,convidando 40 amigos para beber cerveja e gim-tônica com lavanda. O sucesso do evento evoluiu para o popular festival de lavanda que a cidade promove todo mês de julho — época em que visitei a cidade,acompanhado por Hernández.
Começamos em um bar,Los Guerrilleros,bebendo cerveja gelada e comendo guerrilleros frescos e crocantes — tempurá empanado de camarão e anchova —,especialidade do bar que leva seu nome. Depois,passeamos pelas ruas exclusivas para pedestres,decoradas com serpentinas da cor da lavanda e guarda-chuvas roxos pendurados,parando nas antigas fontes de água,na praça de touros e na catedral; pegamos biscoitos enfeitados com lavanda na padaria local e compramos presentes nas butiques. Muralhas mouriscas cercam a cidade e o Castelo Piedra Bermeja,cujo telhado oferece vistas pitorescas do Rio Tajuña,no qual,segundo Hernández,as crianças da cidade aprendem a nadar.
No outono (do Hemisfério Norte) passado,foi inaugurado o primeiro hotel cinco estrelas de Guadalajara,Castilla Termal Brihuega,estabelecido em uma antiga fábrica de têxtil real.
— Brihuega é o local ideal para a abertura desse estabelecimento por muitas razões — disse o diretor executivo do Castilla Termal Brihuega,Roberto García.
Piscina de borda infinita do Castilla Termal Brihuega,o primeiro hotel cinco estrelas inaugurado na cidade,nos arredores de Madri,na Espanha — Foto: Emilio Parra Doiztua/The New York Times
Ele se referia ao patrimônio,à beleza e à proximidade da região com Madri. Os jardins do século XIX da fábrica foram considerados um patrimônio cultural pelo governo espanhol.
Quando o sol começou a se pôr na minha visita em julho,saímos de carro da cidade para ver os campos de lavanda e paramos em um mirante cênico para contemplar os vastos campos de cada lado: o trabalho dos Hermanos Corral era magnífico.
O charme da região e as semelhanças com a Provença não ficam só nos campos de lavanda de Brihuega. A província de Guadalajara tem uma abundância de gastronomia atraente,viticultura,trilhas para caminhadas,rotas de bicicleta e charmosas vilas de pedra.
A cidade de Cogolludo,45 minutos de carro ao norte de Brihuega,abriga um castelo em estilo renascentista,o Castillo de Cogolludo,mas bem perto dela existe uma vinícola que está passando por um renascimento próprio. La Finca Río Negro é uma propriedade familiar nas encostas das montanhas do Sistema Central,onde as terras planas se transformam em colinas rochosas com pinheiros altos. Do outro lado das montanhas da proeminente região vinícola espanhola de Ribera del Duero,a área já teve uma tradição de produção própria de vinho.
— Esta cidade era importante o suficiente para ter um palácio e duques; vivia da viticultura. Mas depois ficou muito pobre durante o período pós-guerra. À medida que as pessoas se mudavam para as cidades,os vinhedos foram sendo abandonados aos poucos — contou Fernando Fuentes,gerente da Finca.
Quando La Finca Río Negro foi inaugurada em Cogolludo,não havia outras vinícolas na região.
— Há 20 anos não éramos vistos como pioneiros,mas como loucos — comentou Fuentes.
Hoje,eles produzem vinhos premiados e redescobriram e cultivaram uma variedade de uva endêmica da região,a Tinto Fragoso. Tem sabor de frutas vermelhas com notas florais inesperadas e especiarias do carvalho francês,no qual o vinho é envelhecido.
Também visitei Hiendelaencina — cidade com menos de 150 habitantes,que antes abrigava uma mina de prata — para almoçar no Mesón Sabory. O restaurante,que existe há décadas,serve alimentos cultivados e criados localmente em uma casa construída na década de 1870. Não recebi um cardápio porque eles só servem o que é fresco.
Minha refeição começou com patatas bravas: pedaços de batata crocantes,macias por dentro,com um molho de bravas picante — típico da Espanha —,receita da mãe de Julián Illana,um dos proprietários. Em seguida,veio uma salada de tomate e cebola doce e um prato de fígado e coração,cozidos com cebola. Havia mais pratos — chorizo e torreznos,barriga de porco frita —,e em seguida chegou um grande pote de barro preto com duas pernas de cabrito assadas dentro. Arranquei a carne macia do osso e usei pão crocante para fazer pequenos barcos — ou "hacer barquitos" — para absorver o molho.
— É só sal e água,nada mais. Quando você quiser comer comida simples,honesta e tradicional,esse é um bom dia para vir até nós — disse Illana.
A cachoeira Despenalagua,na Reserva Natural Tajo Alto,na Espanha — Foto: Emilio Parra Doiztua/The New York Times
As receitas não mudaram em 50 anos. Os cabritos vêm da fazenda da família,e os fornos de barro usados para assar têm quase um século. Tomilho e esteva são adicionados à chama e impregnam seu sabor no cabrito que vagou por esta terra,comendo essas plantas aromáticas.
Depois do almoço,dirigi para o oeste até Valverde de los Arroyos,uma das paradas ao longo da Rota das Aldeias Negras,série de vilas construídas em ardósia,em Guadalajara. Em Valverde,as partículas de quartzo ao sol fazem a pedra brilhar como ouro ao sol,criando um brilho sobrenatural,como escamas de dragão. É também um ponto de partida para várias caminhadas na Reserva Natural do Alto Tajo. Optei por uma caminhada curta,de uma hora,até as cachoeiras de Despeñalagua,que descem dos penhascos acima.
De volta a Alcalá de Henares,perguntei a Hernández como ele se sentia em relação ao renascimento de sua cidade natal.
— Estou muito orgulhoso. A aldeia já tinha uma longa história,e agora tem muitas outras para serem contadas. Nem sempre vi seu futuro,mas agora vejo,graças ao turismo e à lavanda — disse,
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