Construções se adensam em meio ao verde na Vila do Abraão,na Ilha Grande,que hoje tem 5.216 moradores e 3.232 domicílios — Foto: Custódio Coimbra
Construções se adensam em meio ao verde na Vila do Abraão,na Ilha Grande,que hoje tem 5.216 moradores e 3.232 domicílios — Foto: Custódio Coimbra
GERADO EM: 22/09/2024 - 04:30
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A Baía da Ilha Grande é frequentemente apresentada como uma das mais bonitas do país. E não é exagero. As águas tranquilas,as ilhas paradisíacas e a vegetação característica da Mata Atlântica tornam a região — onde estão localizadas as cidades de Angra dos Reis,Paraty e Mangaratiba — destino badalado de turistas de toda a parte do mundo e sonho de consumo de veranistas. O resultado é uma queda de braço constante entre a necessidade de preservar o patrimônio natural,que no final das contas é o maior ativo da região,e a voracidade de quem quer ocupar as áreas ainda livres,seja para viver,seja para explorar comercialmente. A conta nem sempre fecha.
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Quem frequenta a Ilha Grande — a joia da coroa na baía que,não por acaso,leva seu nome — há muito se deu conta do adensamento constante da área construída. A comparação de imagens de satélite da Vila do Abraão,maior e principal povoado da ilha,de abril de 2001 com dezembro de 2023 (disponíveis no aplicativo Google Earth) não deixa dúvidas sobre o grande crescimento experimentado pela localidade neste século. Dados do Censo do IBGE confirmam que a ilha toda cresceu e muito no período. No ano 2000,eram 2.074 moradores e 972 domicílios. Uma década depois,os números saltaram para 5.021 e 2.964 um aumento de 142% e 205%,respectivamente. Nos registros mais recentes,que constam das chamadas “malhas preliminares” do censo 2022,já são 5.216 pessoas vivendo em 3.232 domicílios na ilha.
A variação entre os censos de 2010 e 2022 representa uma pressão importante nas já saturadas localidades do paraíso turístico. Quem visita a Vila do Abraão com frequência nota com muita clareza o avanço de construções ao longo da trilha que leva à Praia da Crena,por exemplo. Por ali,em diferentes pontos,surgiram,nos últimos anos,pelo menos seis construções. A placa de identificação das obras informa que são de natureza mista,destinadas a “pousada e unifamiliar”.
De acordo com a prefeitura de Angra,cidade à qual a Ilha Grande pertence,as construções têm as licenças necessárias. A legalidade da obra,no entanto,não elimina o fato de que os apartamentos,normalmente dispostos em dois andares erguidos em cima de colunas bem à beira da Praia Comprida,se transformam em uma espécie de barreira na paisagem para quem passa por ali a pé em busca de contato com a natureza. A vista dos hóspedes,não decepciona. Além das construções em si,chama a atenção uma área,acima dos prédios e da trilha,recentemente desmatada.
— Olha,isso aqui é impressionante. Completamente ilegal. É Mata Atlântica,supressão de vegetação a dez metros da praia. É completamente ilegal. O próprio Código Florestal brasileiro impede a construção nos topos de morro e nas áreas de Proteção Ambiental,no caso de você estar a 50 metros de um rio ou do mar — disse o ambientalista e deputado estadual Carlos Minc (PSB-RJ) ao analisar imagens do local.
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A pressão sofrida na Ilha Grande se repete nas cidades. Os dados do Censo 2022,por exemplo,mostram que enquanto a população de Angra diminuiu 1,22% em relação a 2010,o número de domicílios saltou de 72.056 para 93.974 no mesmo período,um aumento de 30,40%. Em Paraty,o crescimento surpreende: mais 20,5% no número de residentes. O salto foi maior na quantidade de domicílios: de 16.293 para 25.998,ou 59,5%. Já em Mangaratiba,são 13% a mais de habitantes e 38,8% de acréscimo nas edificações domiciliares. Tirando o decréscimo de Angra,o crescimento das outras duas cidades chama a atenção ainda mais se comparado ao total do Estado do Rio,que registrou aumento populacional de 0,4% no período,enquanto o número de domicílios subiu 25,3%. O crescimento dos domicílios nas três cidades foi de 36,6%.
No artigo “A Baía da Ilha Grande no Censo 2022: primeiros resultados”,publicado no site do Grupo de Estudos da Baía da Ilha Grande (Gebig) da Universidade Federal Fluminense,é feita uma análise sobre o crescimento do número de domicílios de uso ocasional na região. Do total de 162.902 domicílios nas três cidades da região,apenas 57,7% estavam ocupados,bem menos que a média do estado do Rio,que é 79,9%. O estudo aponta ainda que “domicílios não ocupados são em grande parte domicílios de uso ocasional,como as segundas residências ou as casas de veraneio”.
Em Paraty,o professor de Geografia da UFF,Wilson Lopes,morador da Costa Verde,tem observado aumento do número de casas de veraneio,principalmente de moradores de Rio,São Paulo e Minas Gerais. Isso faz com que haja várias casas vazias ao longo do ano. Em paralelo,um processo de gentrificação,afastaria moradores de menor renda das áreas mais centrais.
— Isso tem levado a uma maior ocupação de áreas mais distantes,por quem não tem tantos recursos,causando problemas de infraestrutura — disse Lopes. — Um dos trechos em que essa mudança de padrão pode ser observada com mais intensidade é em bairros do lado fluminense da estrada Paraty-Cunha.
Presidente da Associação de Meios de Hospedagem da Ilha Grande,Carlos Borges Júnior atribui o aumento do número de moradias às locações por temporada em plataformas:
— Isso cria problemas inclusive para quem mora de aluguel na Ilha. Por causa das plataformas,há escassez de imóveis para locação.
Paraty e a Baía da Ilha Grande receberam,em 2019,da Organização das Nações Unidas para a Educação,Ciência e Cultura (Unesco),o título de Patrimônio Mundial na categoria mista Cultura e Biodiversidade. A candidatura elencou áreas de proteção que devem garantir a integridade ambiental de toda a região. São pelo menos oito unidades de conservação.
Em nota,a prefeitura de Angra informou ter aplicado,nos últimos dois anos,122 notificações e realizado 176 ações de fiscalização relacionadas a construções irregulares,além de ter dado início a 12 inquéritos administrativos para demolições na Ilha Grande. O município afirma ainda que “as principais causas das irregularidades estão relacionadas ao aumento da população e ao descumprimento de normas e legislações” e que “a especulação imobiliária também tem contribuído para o problema”.
Também em nota,o Instituto Chico Mendes (ICMBio) confirma que “a região da Baía da Ilha Grande vem sofrendo de especulação imobiliária”. O órgão diz ainda que aplicou 313 multas por “ocupação irregular” nas unidades de conservação que administra nos últimos cinco anos.
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