CULTURA Jun 30, 2024 IDOPRESS

‘Um governo Marine Le Pen seria a maior vitória que Putin poderia ter na Europa’, diz deputado português

O escritor e político português Rui Tavares — Foto: Divulgação RESUMOSem tempo? Ferramenta de IA resume para você

O escritor e político português Rui Tavares — Foto: Divulgação

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GERADO EM: 30/06/2024 - 04:31

Alerta de Rui Tavares sobre extrema direita na UE e influência de Putin

O deputado português Rui Tavares alerta para a ascensão da extrema direita na UE e sua ligação com a Rússia,destacando a importância das eleições na França e a influência de Putin. Ele aborda a estratégia nacionalista e a ameaça à união europeia,ressaltando a relevância da guerra na Ucrânia na política europeia. Rui também discute o impacto das redes sociais e o papel dos partidos pró-Putin nas eleições europeias. Além disso,ele comenta sobre seu novo livro,que aborda a história da humanidade e dos direitos humanos.

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O avanço da extrema direita na União Europeia (UE) e seus vínculos com a Rússia são uma preocupação para o escritor e deputado português Rui Tavares. Atento ao movimento de figuras políticas que descreve como “submarinos russos” no bloco europeu,Rui vê as eleições antecipadas na França como decisivas para a estratégia de Vladimir Putin de criar uma divisão entre os países-membros no apoio à Ucrânia — um conflito que define como existencial para o futuro da Europa. Em viagem ao Brasil para promover o livro “Agora,agora e mais agora” (Tinta-da-China Brasil),durante A Feira do Livro,que acontece neste fim de semana em São Paulo,o parlamentar conversou com O GLOBO sobre suas percepções sobre o continente.

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Qual a sua leitura do avanço da extrema direita no Parlamento Europeu?

A questão da extrema direita é importante em nível global,porque temos a emergência de uma verdadeira “Internacional Nacionalista’”,uma “Internacional Reacionária”. Ela passa por [Jair] Bolsonaro,por [Donald] Trump,por [Viktor] Orbán,e tem uma estratégia coordenada. Órban é um elemento discreto,mas muito importante dela,porque foi o primeiro líder desta orientação a governar,e conseguiu minar completamente,com um sucesso que nem Trump nem Bolsonaro tiveram,o Estado de Direito no seu país. O Conselho Europeu tem grande culpa nisso. Eles foram deixando rolar essa deriva autoritária de um dos Estados-membros da União Europeia,e agora estamos em uma situação complicada,em que há diversos “submarinos de Putin” dentro do bloco. Orbán é um deles,mas também partidos como o AfD,na Alemanha,e o Reagrupamento Nacional,de Marine Le Pen,na França. O que eles tentam é minar a possibilidade de uma estratégia comum europeia.

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Que estratégia europeia exatamente?

Uma estratégia que promove a independência dos países médios e pequenos do continente contra o imperialismo russo. Eu sei que é um tema que é visto com uma grande distância,até mesmo com uma dose de incompreensão,na América Latina,mas para nós é uma matéria existencial.

O quanto a guerra na Ucrânia influencia a política europeia e a política doméstica dos países europeus?

O espaço que ocupa é enorme. Tanto no espaço visível,quanto no mais oculto. Em cada país da UE,há um debate sobre a guerra na Ucrânia. Majoritariamente,as opiniões públicas europeias têm aguentado melhor do que o que Putin esperava. Portugal,por exemplo,é um país que está próximo da Ucrânia,ao contrário do que se poderia imaginar pela distância geográfica,por ter uma grande comunidade de imigrantes ucranianos. É um debate fácil de se fazer. No lado mais oculto,há interesse por parte do Kremlin de interferir na política interna dos Estados-membro e na política da própria UE,de forma a criar desinformação,comprar políticos e partidos,infiltrar-se em processos legislativos e de decisão. E não podemos ser ingênuos em relação a isso: essas operações de influência,espionagem e cooptação dentro do espaço europeu prosseguem em um ritmo muito acelerado. Há partidos europeus que sabemos que recebem financiamento e apoio da Federação Russa,como a Liga,de Matteo Salvini,na Itália,na França. Existem outros,que não sabemos especificamente como,mas que se beneficiam de apoio de Putin,em particular nas redes sociais. É decisivo para Putin conseguir criar uma disrupção nos Estados europeus. As eleições francesas,neste sentido,são absolutamente decisivas. Um governo Marine Le Pen seria a maior vitória que Putin poderia ter na Europa.

A líder do Reagrupamento Nacional,Marine Le Pen,e o candidato a premier do partido,Jordan Bardella — Foto: Julien de Rosa/AFP

Qual seria o grau de conexão dessa “Internacional Nacionalista” a qual o senhor se referiu? A guerra pode virar uma pauta unificada?

Se há uma lição que podemos aprender dos últimos anos é que qualquer pauta,com insistência e meios de difusão suficientes,pode ser determinante. Quando eu cheguei ao Parlamento Europeu,em 2009,[Nigel] Farage [líder da extrema direita no Reino Unido] era um deputado que mal aparecia nas comissões,fazia muito pouco trabalho parlamentar e se guardava para discursos que eram feitos para o YouTube. Ele era um pária na política britânica,nunca tinha sido eleito para a Câmara dos Comuns. O Parlamento Europeu,por ter um sistema proporcional,é que deu a políticos como Farage e Le Pen meios para que se tornassem o que Lenin chamaria,há 100 anos,de revolucionários profissionais. Ele só falava de sair da UE — uma pauta que era considerada totalmente marginal,até que deixou de ser. O nível de organização que essa Internacional Nacionalista tem,em termos de ação nas redes,com apoio tácito ou explícito do Kremlin,é muito grande.

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Em Portugal,o partido de extrema direita Chega teve um resultado expressivo nas eleições nacionais,mas não repetiu a votação nas eleições europeias. O que justifica resultados tão distintos em um espaço curto de tempo?

A guerra na Ucrânia teve um papel nisso. O Chega é um partido que tinha tudo para seguir o tipo de política de Salvini e de Le Pen,que são assumidamente pró-Putin. A única diferença é que era um partido muito recente quando a guerra na Ucrânia começou. Aí eles viram que não rendia,em termos eleitorais,serem pró-Rússia e anti-Ucrânia,sobretudo pelo contexto que já mencionei antes,da proximidade entre Portugal e Ucrânia. O líder desse partido foi tentando fazer passar outra imagem,que ele era o maior amigo dos ucranianos — o que,no meu ponto de vista,é fingimento. Ficou claro com a escolha do candidato deles ao Parlamento Europeu,um ex-embaixador português que tinha um histórico de apoio a Putin e de críticas à Ucrânia e a Zelensky. Isso prejudicou a relação deles com o eleitorado.

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O senhor está no Brasil para participar da Feira do Livro,em São Paulo. O que pode falar sobre sua nova obra?

Este livro é uma espécie de sonho que foi nascendo de escrever uma história de uma certa ideia de humanidade,a partir dos conceitos de dignidade humana e dos direitos humanos. Uma história que se passa em vários continentes e épocas,com vários episódios — alguns deles de algum triunfo,mas outros em que essas ideias ficaram em perigo. Eu mostro que tipo de escolha os seus defensores tiveram que fazer: de tentar resistir e passá-las para frente de maneira discreta,às vezes quase secreta,para as próximas gerações. É uma espécie de história alternativa da realidade,que começa antes do ano 1.000,na Ásia Central,com o filósofo Alfarábi. Passa por Dante [Alighieri],por Erasmo de Rotterdam e Thomas More,passa pelo século XVIII,passa por [Baruch] Espinoza,pelo caso Dreyfus e pela Declaração Universal de Direitos Humanos. É o que eu chamo de “Lado B” da história das ideias.

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