Exemplo. Roseana Murray e o marido,o jornalista Juan Arias,na casa onde moram,em Saquarema: experiência trágica foi transformada em inspiração — Foto: Gabriel de Paiva/Agência O Globo
Exemplo. Roseana Murray e o marido,o jornalista Juan Arias,na casa onde moram,em Saquarema: experiência trágica foi transformada em inspiração — Foto: Gabriel de Paiva/Agência O Globo
GERADO EM: 10/08/2024 - 06:00
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“A avó era poeta e tinha um braço invisível e mágico”. Na capa de seu novo livro,a escritora Roseana Murray é abraçada pelos dois netos,Luís e Gabi,e aponta,com o braço iluminado e cheio estrelas coloridas,para uma fênix voando no céu. Desenhada ora com asas,ora com flores,Roseana parece uma fada nas ilustrações da obra — e na vida,para muita gente que se inspirou na doçura e na singeleza que ela esbanjou diante da perda do braço direito e de uma orelha após o ataque de três cães da raça pitbull sofrido em abril.
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A perda do membro físico,do ponto de vista da poeta,levou ao nascimento do braço invisível,que virou livro,como ela prometeu ainda no hospital: “O braço mágico” ganha lançamento hoje,na Janela Livraria,no Shopping da Gávea,na Zona Sul do Rio.
Livro "O Braço Mágico" da poeta e escritora Roseana Murray — Foto: Reprodução
Presentes em quase todas as páginas do livro,os netos chegaram a visitá-la durante a internação no Hospital Estadual Alberto Torres,em São Gonçalo,e foram fonte inesgotável de força.
— Eles precisavam me ver. Ficaram parados me olhando,foi muito emocionante. Já tivemos mais momentos juntos aqui em casa e na casa deles,em Visconde de Mauá. Eles lidam com isso com uma naturalidade total — conta a escritora,que os transformou em personagens,seguindo a sugestão do filho.
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— Foi uma ideia do André,de colocar os netos como ajudantes,anjos. O texto estava na minha cabeça desde o hospital,mas ainda estava muito duro,muito difícil. Não conseguia achar o tom. E aí o André falou: “Mãe,põe os netos te ajudando”. E aí veio. Foi mágico — explica ela o processo de escrita,em que usou o bloco de texto do celular.
Flores,cores,“crianças-anjos”,fadas e magos ilustram a jornada da protagonista,a escritora com o braço mágico. Entre as metáforas criadas,chamam atenção as aranhas douradas simbolizando enfermeiras e técnicas que teceram com cuidado os curativos de Roseana. Os desenhos que remetem a um universo de sonhos são do artista plástico e educador Fernando Zenshô.
— São ilustrações oníricas,muito bonitas,sempre têm um movimento. O braço parece uma asa,às vezes parece flor. É lindo. O braço mágico me trouxe muita coisa — conta Roseana.
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Em contraste com os desenhos coloridos,uma página preta com letras brancas anuncia que nem sempre havia sido daquela maneira: “Um acidente fez a avó perder um braço”. O impacto visual e poucas palavras promovem uma interrupção abrupta na narrativa: como o episódio trágico pelo qual passou Roseana. Mas a história,como se sabe,não acaba aí.
— Foi ideia do ilustrador. Eu achei que ficou espetacular,e muito impactante. Não precisa dizer muito — conta Roseana,que afirma ter dois aniversários: um no dia que veio ao mundo,em dezembro,e outro quando nasceu o braço mágico,em abril. — O lançamento do “Braço Mágico” vai ser como uma festa de aniversário do meu renascimento.
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O livro retoma a narrativa explicando o que muda: para tarefas simples do dia a dia,como cozinhar,por exemplo,ela precisa de ajuda de outras pessoas.
— Os primeiros dias foram de muita,muita dor. As feridas abertas. Agora tem dias melhores e piores. Eu levo mais tempo para fazer as coisas. Ainda não me atrevi a cozinhar,preciso de alguém comigo — diz ela,que ainda estuda a adoção de uma prótese. — Talvez a gente consiga uma comum,para ajudar no apoio e no equilíbrio. Meu sonho é a prótese biônica,mas é muito cara.
Os últimos quatro meses foram de adaptação. Ela explica que o braço amputado ainda dói,com espasmos e pontadas afiadas,como uma dor fantasma. Fisioterapia é prática semanal,assim como as aulas de italiano e francês. A literatura tem ajudado. Além de escrever,ela lê outros livros em que os personagens passaram por amputações,em busca de referências.
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Muito apoio da família e carinho de gente de todo o canto são parte do “remédio”. Autora premiada de literatura infantil,com mais de cem livros publicados,ela ganhou mais notoriedade depois do incidente.
— As pessoas vêm aqui em casa,me reconhecem na rua,mandam flores. Foram muitos anjos no meu caminho. Tinha uma criança que vinha quase todos os dias com a mãe e ficava esperando do outro lado da rua para me ver. Um dia nos encontramos. Ela só me abraçava — relata.
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Na última terça-feira,Roseana fez uma nova carteira de identidade e a rubricou com mão esquerda. “Assinatura ainda é difícil”,diz ela,que não tem treinado muito. Ao lado de Juan Arias,seu companheiro de vida,ela celebra animada o lançamento do livro novo.
— Acho que esse livro serve para várias idades. Uma criança com deficiência vai se encontrar,mas uma criança sem deficiência e um adulto também podem.
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