A “monogamia” dos pássaros é uma parceria de fidelidade social – mas não sexual. — Foto: Unsplash
A “monogamia” dos pássaros é uma parceria de fidelidade social – mas não sexual. — Foto: Unsplash
GERADO EM: 01/07/2024 - 04:30
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Comemorou-se há pouco o Dia dos Namorados,e nestas datas sempre vemos cartões ilustrados com casais de passarinhos. Os passarinhos,ou passeriformes,grupo de aves que cantam,viraram símbolo romântico por formarem casais monogâmicos,que podem ficar juntos toda a vida. Mas a ciência mostra que essas não são exatamente famílias de comercial de margarina.
A zoóloga Lucy Cooke conta,no livro “Bitch” ( inédito em português),que um certo reverendo Frederick Morris,em 1853,adorava usar um tipo de pardal como exemplo de recato feminino: que as mulheres,dizia ele,imitassem o exemplo das fêmeas,sempre modestas e fiéis aos seus “maridos” emplumados.
O que ele não sabia,ironicamente,é que se suas paroquianas realmente seguissem o exemplo das passarinhas,teriam o hábito de uma escapada do ninho e ficar íntimas de outros machos. O fato é que a “monogamia” dos pássaros é uma parceria de fidelidade social – mas não sexual.
Estudos de genômica mostram que a paternidade dos filhotes nem sempre é do macho do casal.
Como não é fácil para uma passarinha cuidar dos filhotes sozinha – existe um investimento grande em chocar os ovos,proteger de predadores e buscar alimento – ter um sócio fiel é uma boa estratégia reprodutiva. Mas pular a cerca e garantir maior diversidade genética para os filhotes,também. Hoje sabe-se que 90% das passarinhas rotineiramente fazem sexo com outros machos,e que uma única ninhada costuma ter múltiplos genitores. Na melhor tradição de que pai é quem cria!
Os primeiros estudos que apontaram para a promiscuidade da passarinha foram feitos com melros pretos de asa vermelha. Estes passarinhos costumam atacar as plantações de grãos nos EUA. Na década de 1960,e a solução dos fazendeiros era simplesmente matá-los. Serviços de proteção ambiental ofereceram uma solução alternativa: esterilizar os machos,que são territoriais e costumam manter “haréns”. Mas,mesmo após a esterilização,60% das fêmeas continuavam pondo ovos. Depois de imaginar todo tipo de cenário,os cientistas envolvidos (todos homens) foram forçados a concluir que as fêmeas eram promíscuas,fazendo “escapadinhas” para fora do território do “sultão” e voltando grávidas.
Quando os primeiros estudos com passarinhas promíscuas foram publicados,alguns pesquisadores (homens) levantaram a hipótese de que estariam sendo “estupradas” por outros machos. A anatomia refuta a hipótese: machos passarinhos não fazem penetração. Ambos os sexos têm uma cloaca que pressionam juntos para transferir de gametas,num ato chamado “beijo cloacal”. Dificilmente dá para fazer isso se a fêmea não estiver de acordo.
Alguns estudos exploram também a possibilidade de,além da diversidade genética,a “traição” da fêmea beneficiar a família na hora de combater predadores. Um casal de passarinhos fica bastante exposto e vulnerável quando está com filhotes. Experimentos mostram que os machos que sabem que seus genes podem estar representados na ninhada aparecem para a briga quando o ninho do casal “oficial” é atacado,.
Com todos os cuidados para não antropomorfizar o comportamento animal,e deixando claro que as brincadeiras com fidelidade e traição,aqui,são só brincadeiras,é interessante notar que,durante anos,a teoria da evolução sexual foi usada para defender o modelo cultural humano de “macho promíscuo e a fêmea recatada”,como um fato imposto pela natureza – o único modo de relação entre os sexos que “faz sentido” biológico. Os passarinhos,e diversas outras espécies,mostram que existem várias formas de relacionamento que levam a estratégias reprodutivas de sucesso. Acreditar que a natureza privilegia apenas uma,que pode ser usada como desculpa para comportamento humano,é simplesmente falta de imaginação. E de pesquisa.
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