Obra de restauração de estrada no Vale do Taquari que ficou danificada depois de um deslizamento de terra que cobriu o asfalto; reparação de rodovias exigirá aportes de até R$ 9 bilhões — Fot
Obra de restauração de estrada no Vale do Taquari que ficou danificada depois de um deslizamento de terra que cobriu o asfalto; reparação de rodovias exigirá aportes de até R$ 9 bilhões — Foto: Raphael Nunes/Ascom EGR
GERADO EM: 28/06/2024 - 04:35
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Embora seja ainda impossível dimensionar com precisão um valor de referência para a reconstrução total,economistas e consultores convergem em que obras emergenciais ligadas à indústria da construção serão o principal motor para a retomada da economia gaúcha. Antes das enchentes,a Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs) havia projetado uma expansão de 4,7% para o Produto Interno Bruto (PIB) do estado neste ano de 2024.
— Os investimentos serão um elemento importante para a atividade econômica das regiões afetadas. Inclusive para garantir a oferta de mão de obra,insumos e máquinas para realizar esse esforço de recuperação,que será um desafio e provavelmente envolverá todo o país — avalia Silvana Machado,diretora executiva do Bradesco.
A Alvarez&Marsal,que disponibilizou 30 consultores a serviço do governo do estado e da Prefeitura de Porto Alegre para estruturar um modelo de gestão dos impactos,calcula que as obras civis para recuperar a infraestrutura pública — rodovias,ferrovias,portos,pontes,viadutos,túneis,malha viária e sistemas de abastecimento e distribuição de água e energia,de esgotamento sanitário e de manejo de águas pluviais —,além de residências,hospitais,postos de saúde,escolas e delegacias,entre outros,exigirão investimentos públicos e privados de mais de R$ 100 bilhões.
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Para se ter uma ideia,essa estimativa corresponde ao faturamento total de todas as empresas de engenharia e construção do país em 2022. — Daí o grande desafio de como executar tudo isso,haja vista que precisaremos de muita mão de obra,insumos e empresas especializadas para lidar com um volume tão significativo de obras em tão curto tempo — aponta Filipe Bonaldo,sócio-diretor da A&M Infra.
O número se aproxima de cálculos da Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul),que estima ser necessário investimento da ordem de R$ 110 bilhões a R$ 174 bilhões,montante que tem como base parâmetros internacionais sobre o custo médio global de resposta a desastres naturais. A reparação de rodovias estaduais e federais exigirá aportes entre R$ 3 bilhões e R$ 9 bilhões. Foram comprometidos mais de 4,5 mil quilômetros de ruas,avenidas,rodovias estaduais e federais e estradas vicinais.
Ainda não existem dados sobre os impactos na malha ferroviária gaúcha,utilizada em grande parte para o escoamento de grãos. Segundo dados do governo estadual,as enchentes afetaram de forma direta 283 mil residências,cerca de 5,3% do total de endereços estaduais,impactando quase 600 mil pessoas. Eldorado do Sul foi o município mais afetado,com oito em cada dez residências atingidas. Diversos imóveis sofreram danos estruturais,como o de Jaqueline Aguiar,que conseguiu salvar seus pertences,à exceção de dois guarda-roupas e uma estante,antes de deixar sua casa,feita de madeira.
— Caiu uma parte do assoalho e não consegui voltar. A gente não imaginava que ia chegar a essa proporção — lembra Jaqueline.
Dono de uma loja de material de construção em Eldorado do Sul,Gessiel Serpa espera que a demanda por produtos ligados a obra seja retomada. Nas primeiras semanas após as enchentes,a procura era outra: botas,luvas e capas de chuva
— Mesmo que as pessoas tenham perdido suas casas,não deu nem tempo ainda de pensar em reconstruir algo — diz o comerciante.
Um levantamento da Fiergs aponta que 81% das 220 indústrias consultadas informaram problemas.
—Os prejuízos mais comuns relatados incluem questões logísticas para escoamento da produção ou para o recebimento de insumos,além de problemas relacionados ao quadro de pessoal e às dificuldades com fornecedores — diz Giovani Baggio,economista-chefe da federação. — De acordo com dados da Receita estadual,aproximadamente 44 mil estabelecimentos,o equivalente a 16% do total no Rio Grande do Sul,estava em áreas inundadas .
Diante do cenário,Silvana Machado,do Bradesco,avalia que o mais importante é restabelecer a infraestrutura necessária para o retorno das atividades econômicas a algum grau de normalidade. Isso,segundo ela,garantirá renda às pessoas.
— Investimentos para tornar a infraestrutura pública e a estrutura produtiva privada mais resilientes a eventos climáticos podem favorecer o aumento da produtividade,na medida em que se tem a oportunidade de criar uma infraestrutura melhor que a anterior. Mas isso demora mais tempo.
Entidades empresariais temem que eventual má gestão da crise dificulte a recuperação econômica do estado. Entre as demandas do setor produtivo estão medidas para evitar demissões de trabalhadores,um grande desafio em situações como a atual. No começo de junho,a Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul (Federasul) encaminhou ofício à Presidência da República listando várias medidas emergenciais,como suspensão temporária dos contratos de trabalho,pagamento de auxílio por três meses para manutenção de emprego e renda,linha de crédito especial e renda mínima para as categorias mais prejudicadas.
— Meu sentimento é que a onda de demissões já começou e será seguida de êxodo dos trabalhadores. O envio de currículo para Santa Catarina quadruplicou — conta o presidente da Federasul,Rodrigo Sousa Costa.
Um painel da Secretaria do Desenvolvimento Econômico e Turismo de Porto Alegre confirma que 300 mil trabalhadores formais foram afetados de alguma maneira. No Centro Histórico,mais de seis mil empresas do setor de serviços amargaram danos.
— Algumas companhias ainda estão prejudicadas pelas chuvas de setembro e novembro do ano passado. E muitas outras,endividadas pela pandemia,ficaram mais de um mês sem faturamento — diz Costa.
Economista e professor da PUC-RS,Gustavo de Moraes estima que 45 mil trabalhadores da capital podem ter sido demitidos:
— Pelos relatos que temos,inclusive das companhias,a opção pelo desligamento dos profissionais está se confirmando na Região Metropolitana e no Vale do Taquari — informa. Na sua avaliação,a taxa de desemprego no estado deve seguir pressionada por seis meses e voltar aos habituais 5% apenas em 2025. — As experiências vividas por países como México,com os terremotos,e Estados Unidos,com o furacão Katrina,mostram que essa é a tendência.
No curto prazo,porém,a força da construção civil para reerguer as áreas pode equilibrar o cenário,diz o professor.
O painel da prefeitura da capital mostra que,na indústria,as do ramo da transformação foram as mais atingidas. Em outra pesquisa,da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul,as indústrias de máquinas,equipamentos,borracha e plástico encabeçam a lista dos setores prejudicados.
—O pequeno e o médio comércio atingido não irão conseguir retomar nem mesmo com injeção de dinheiro da indústria que fez alguns movimentos para ajudar — prevê Silvana Dilly,superintendente da Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro,Calçados e Artefatos (Assintecal).
O setor de calçados,produto que figura entre os dez mais exportados pelo estado,sofreu com alagamentos de fábricas e falta dos trabalhadores por dificuldades de mobilidade. O fechamento do Aeroporto Salgado Filho continua afetando a remessa para a Argentina. Em maio,a Assintecal lançou o Movimento Próximos Passos,que visa levantar R$ 20 milhões para reconstruir casas de funcionários que perderam tudo — o grupo já angariou R$ 6 milhões. Arezzo&Co,Anacapri,Via Marte,Ipanema,Grendene Kids,Vulcabras,Beira Rio e Melissa são marcas embaixadoras da iniciativa. Até o momento,não houve demissões entre as filiadas da entidade.
Maior do estado em receita,a Yara Fertilizantes teve sua antiga fábrica da capital alagada por três semanas. Perdeu móveis e computadores e agora passa por limpeza,rescaldo e secagem técnica. A companhia também não tem planos demissionais para seu quadro de dois mil colaboradores.
— Vamos manter todos os trabalhadores porque precisamos da nossa gente firme e saudável para retomar — enfatiza Marcelo Pinto,vice-presidente de Operações.
Com duas plantas e 3,9 mil colaboradores,a Gerdau também não fez cortes. Suas usinas ficaram paradas por duas semanas até ter condições de retomada,sem prejuízo ao balanço da companhia nem à produção do que abastece a indústria automobilística nacional. A siderúrgica assumiu a construção e reforma das residências de funcionários atingidas.
— Estamos chocados,com garra para ajudar a quem mais precisa. Agora,o restabelecimento da economia vai demandar anos,e os recursos da iniciativa privada não serão suficientes. Vamos precisar de políticas públicas acertadas nos próximos anos,inclusive para evitar outras tragédias — opina o CEO Gustavo Werneck. A companhia aportou R$25 milhões em iniciativas de recuperação do RS,como doação de metal para construção de pontes.
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