Criança palestina ao lado da mãe no hospital árabe al-Ahli,também conhecido como Hospital Batista,em Gaza — Foto: Omar al-Qatta/AFP
Criança palestina ao lado da mãe no hospital árabe al-Ahli,também conhecido como Hospital Batista,em Gaza — Foto: Omar al-Qatta/AFP
GERADO EM: 18/08/2024 - 04:30
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Um dia antes de a guerra entre Israel e Hamas completar dez meses,em 7 de agosto,o Exército israelense anunciou o fechamento temporário da rota humanitária de Rafah,no sul da Faixa de Gaza,após um ataque com mísseis antitanque ferir soldados em uma área adjacente. Não foi a primeira vez que essa rota — e outras que dão acesso ao enclave e permitem distribuição de ajuda humanitária — foi fechada por operações militares no terreno. A repetição dessa situação,somada à escassez de insumos,fechamento de unidades de saúde após bombardeios,e mortes e prisões de profissionais de saúde,vem impondo um verdadeiro cerco médico a Gaza,alertaram organizações ao GLOBO.
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“Por quase dez meses,vimos o sistema de saúde na Faixa de Gaza entrar em colapso lentamente. Os desafios para receber equipamentos,instrumentos,suprimentos,pessoal e infraestrutura crítica como eletricidade e água,combinados com hostilidades em andamento,significam que muitas instalações de saúde foram forçadas a fechar ou parar de funcionar”,indicou o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) em nota enviada ao GLOBO. “Muitos profissionais de saúde foram deslocados para áreas que receberam ordens de retirada. Se não puderem acessar seu local de trabalho,essa unidade médica não poderá prestar serviços.”
Em muitos casos,os profissionais de saúde foram mais do que deslocados. Citando dados do Ministério da Saúde de Gaza,território controlado pelo grupo terrorista Hamas desde 2007,dois relatórios divulgados em julho pelo Escritório do Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos apontaram que 500 funcionários ligados a serviços médicos em Gaza foram mortos desde 7 de outubro,quando o Hamas atacou o sul israelense,com outros 310 tendo sido presos e levados para averiguação. Segundo os documentos,há relatos de tortura e morte dos detidos,algo negado por Israel,que diz que só suspeitos são detidos e,em caso de confirmação da inocência,soltos em seguida.
Em um documento de 30 de julho,o escritório da Organização Mundial de Saúde (OMS) nos territórios palestinos disse ter registrado 500 ataques contra unidades médicas. “Essas mortes aconteceram no contexto de ataques sistemáticos a hospitais e outras instalações médicas em violação às leis da guerra. Como potência ocupante em Gaza,Israel deve cumprir suas obrigações sob o direito internacional humanitário de manter estabelecimentos e serviços médicos e hospitalares,saúde e higiene públicas,e proteger e respeitar os feridos e doentes”,aponta o relatório.
A pressão sobre os profissionais médicos palestinos é motivo de preocupação de organizações internacionais como a Médicos Sem Fronteiras (MSF). Samuel Johann,brasileiro que coordena a área de emergências em Gaza,descreveu o cotidiano como uma “situação impossível”.
Menina palestina ferida aguarda tratamento no hospital al-Maamadani,depois que uma escola usada como refúgio por palestinos deslocados foi atingida por um suposto ataque israelense na Cidade de Gaza — Foto: Omar al-Qattaa/AFP
— [Os trabalhadores] seguem oferecendo cuidado à população ao mesmo tempo em que são vítimas. Muitos já tiveram de se deslocar muitas vezes sob ordens de retirada. Não sei como vêm ao trabalho deixando as famílias em situação de pouca ou nenhuma dignidade. Vários já perderam familiares ou foram feridos. Dois de nossos colegas tiveram parentes mortos,um deles,o pai e a mãe,em um único bombardeio — afirmou.
O governo israelense justifica as operações em hospitais como uma necessidade para alcançar combatentes ligados ao Hamas ou organizações armadas que atuam no enclave. Em resposta a um questionamento do GLOBO,a Embaixada de Israel no Brasil disse que há um “uso sistemático” das instalações médicas em Gaza.
“O Hamas está reagrupando suas forças em hospitais. As Forças Armadas de Israel mostraram evidências da presença do Hamas em hospitais,incluindo esconderijos de armas,um túnel sob o hospital Shifa e vídeos de militantes levando reféns para hospitais”,afirmou a delegação em nota.
Ataques frequentes a Gaza criaram cerco médico no território palestino — Foto: Arte/O GLOBO
Johann está em sua segunda passagem por Gaza. Em comparação com a primeira vez,entre maio e junho,o brasileiro conta que a situação piorou,forçando as organizações a escolhas cada vez mais restritas.
— Nossa capacidade de trazer pessoas de fora caiu,então temos de tomar decisões críticas com relação aos perfis. Precisamos de médicos e enfermeiros que trabalhem com emergência e atendimento primário,nutricionistas,farmacêuticos... como não podemos trazer todos,ficamos muito aquém de atender às necessidades humanitárias.
Médico palestino acompanha menino ferido após o bombardeio israelense em Deir el-Balah até o hospital dos Mártires de al-Aqsa — Foto: Eyad Baba/AFP
Enquanto o brasileiro descreve um número limitado de profissionais que a organização pode levar ao território,relatos internacionais apontam que o governo israelense teria criado barreiras adicionais. Memorandos obtidos pela rede americana CNN junto ao escritório regional da OMS apontam que o COGAT — órgão israelense responsável por ações nos territórios palestinos — teria feito um alerta de que profissionais de saúde de origem palestina não seriam autorizados a cruzar a passagem de fronteira de Kerem Shalom. Médicos que receberam treinamento nos Estados Unidos confirmaram à rede americana terem sido barrados por esse motivo.
“Reiteramos que aconselhamos FORTEMENTE contra qualquer tentativa de entrada em Gaza [de pessoas] com origem/raízes palestinas”,diz um dos e-mails obtidos pela CNN. Outro e-mail diz: “Estamos tendo ENORMES problemas com isso,pois o COGAT continua rejeitando muitas pessoas por esse motivo.”
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Questionada pelo GLOBO,a embaixada israelense afirmou que “não há tal orientação ou recomendação” e que o país realiza esforços para levar equipes médicas a Gaza. A entrada de trabalhadores estrangeiros,porém,estaria sujeita a “considerações de segurança”.
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Menino palestino ferido após bombardeio israelense busca tratamento no hospital al-Maamadani,em Gaza — Foto: Omar al-Qattaa/AFP
“Essa entrada de ajuda humanitária e profissionais para Gaza precisa ser coordenada com Israel”,disse a delegação diplomática em resposta,indicando que “não há limites para o fornecimento de assistência médica” e que 875 mil toneladas de ajuda humanitária entraram em Gaza,incluindo água,comida,medicamentos,combustível e gás de cozinha. Parte desse total teria sido desviado pelo Hamas.
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