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Rodrigo Pacheco e Arthur Lira — Foto: Elaine Menke/Câmara do Deputados/08-09-2022
GERADO EM: 18/08/2024 - 04:30
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A última tempestade que se abateu sobre os poderes da República não veio de repente. O excesso de poder do Congresso sobre a execução do Orçamento da União vem se agravando. Em junho,o ministro Flávio Dino avisou aos presidentes da Câmara,Arthur Lira,e do Senado,Rodrigo Pacheco,que era preciso corrigir o processo de liberação de emendas para cumprir a decisão do Supremo que,em dezembro de 2022,acabou com o orçamento secreto. Nada foi feito. O fato é que o Congresso contornou e desrespeitou a decisão do STF. Acabou com a emenda de relator e recriou a mesma forma nebulosa e pulverizada de distribuir dinheiro público nas emendas de comissão.
O problema não é só político. É econômico. Ajuste fiscal não é apenas cortar gastos,mas tornar a despesa mais eficiente. A multiplicação de escaninhos e o aumento do volume das emendas parlamentares afetam a governabilidade e também a governança. Cada poder tem a sua atribuição. O Congresso aprova o Plano Plurianual,a Lei de Diretrizes Orçamentárias e o Orçamento Geral da União. É bastante poder. Decide o planejamento de longo prazo do gasto público,os critérios com os quais será feito o Orçamento e o próprio Orçamento. Mas quem executa é o executivo.
Não é a decisão do ministro Flávio Dino que afeta a harmonia entre os poderes,mas a ganância com que o parlamento avançou sobre pedaços do gasto público e a forma como está gastando. O que afeta as instituições não é a ordem do Supremo de mandar parar tudo e fazer o “diálogo institucional”,mas a maneira de distribuir o dinheiro do orçamento e a decisão da Câmara de não votar mais nada. O nome é chantagem. É o Congresso dizendo: se não fizer o que eu quero eu nada decido.
O ministro Flávio Dino,respaldado pelos colegas,mandou suspender a execução das emendas até que se chegue a um formato que respeite a Constituição. No voto,ele lembrou Ícaro,da mitologia grega,que se afasta do mar e perigosamente se aproxima do sol.
Para entender a imagem é preciso historiar os momentos desse voo. Em 2015,no meio da crise do governo Dilma,o Congresso aprovou a PEC 86 criando a emenda impositiva. O governo fica obrigado a liberar as emendas individuais dos parlamentares. Em junho de 2019,veio a PEC 100 que tornou também obrigatória as emendas de bancada dos estados. Em dezembro de 2019,a PEC 105 permitiu que as emendas parlamentares não tivessem relação alguma com projeto ou atividade governamental. Em dezembro de 2022,o Congresso aumentou o valor do total que controlava e o excluiu dos limites de despesa. A cada decisão,Ícaro fica mais perto do sol.
Vejam os anos das decisões. Em 2015,com o executivo fraco pela crise econômica que elevou a inflação e derrubou o PIB e a popularidade da presidente Dilma. Entre 2019 e 2022,em um governo que não queria negociar com o Congresso,preferia comprá-lo. Não interessava a Jair Bolsonaro o bom funcionamento das instituições,seu projeto era desmontá-las. Nesse caminho,entre 2015 e 2022,o país foi se aproximando do perigo. Cada vez mais dinheiro na mão do Congresso,cada vez mais impositiva a liberação,cada vez mais obscuras e pulverizadas as decisões de gasto.
O STF então,proibiu as emendas secretas. Disse que a Constituição exige transparência. Que se saiba quem ordenou a despesa,para onde foi o dinheiro e com que objetivo. O Congresso fez de conta que cumpriu. Acabou com as emendas de relator e recriou o mecanismo nas emendas de comissão. Quem na comissão mandou gastar? Ninguém sabe,muitas vezes nem mesmo os membros da comissão. É Ícaro em seu voo insensato.
Como é nos outros países? A OCDE responde. Em 14 países,o Congresso emendou o orçamento em valores abaixo de 0,01% . Dez países,abaixo de 2%. Estados Unidos acima disso,2,4%. No Brasil,24,2% de toda a despesa discricionária,que o governo pode usar livremente para os seus investimentos,é o Congresso que decide. E de que forma decide? No método,“quero,posso,mando”,disse Dino no voto,em recado claro a Arthur Lira. Ao pulverizar esse gasto,dificulta-se também a fiscalização. O que houve com Ícaro? Ele se aproxima demais do sol,o calor derrete a cera de suas asas,ele cai no mar e morre. Defender a democracia brasileira não é apenas enfrentar golpistas que atacam poderes,é também corrigir os descaminhos no uso do dinheiro que é de todos nós.
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