Coluna de fumaça é vista em aldeia atingida por ataque aéreo de Israel no sul do Líbano — Foto: AFP
Coluna de fumaça é vista em aldeia atingida por ataque aéreo de Israel no sul do Líbano — Foto: AFP
GERADO EM: 21/09/2024 - 04:30
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“O inimigo transgrediu todos os limites e linhas vermelhas”,afirmou,na quinta-feira,o líder do Hezbollah,Hassan Nasrallah,48 horas depois de uma sem precedentes série de explosões de pagers e walkie-talkies,atribuída a Israel,que deixou dezenas de mortos e milhares de feridos. Ao mesmo tempo em que o longevo líder da organização falava,e chamava os ataques de “ato de guerra”,caças israelenses sobrevoavam Beirute a baixa altitude e bombardeavam áreas do sul do país,perto da fronteira. Na sexta-feira,a capital libanesa foi alvo de um ataque aéreo que tinha como alvo Ibrahim Aqil,importante comandante militar da organização,e que deixou outros 13 mortos.
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As explosões,a retórica elevada e as movimentações do Exército israelense sugerem que uma nova guerra pode estar perto de estourar. Mas um conflito pode ter consequências mais graves do que os travados em 2006 e o que ocorre atualmente na Faixa de Gaza.
O primeiro sinal desse potencial veio pouco antes das detonações dos pagers: na terça,o premier israelense,Benjamin Netanyahu,anunciou que o retorno dos moradores do norte de Israel passou a ser um “objetivo” e o ministro da Defesa,Yoav Gallant,disse na véspera que isso só seria obtido com uma “ação militar”. Na quarta-feira,uma divisão que estava em Gaza foi mobilizada para a área. Generais têm afirmado,nos bastidores,que o objetivo é criar uma “zona tampão”,limitando as ações do Hezbollah,repetindo de certa forma o que ocorre em Gaza. Contudo,essa semelhança é frágil.
Combatentes do Hezbollah participam de treinamento em área próxima à fronteira entre Líbano e Israel — Foto: ANWAR AMRO / AFP
Ao contrário do grupo terrorista Hamas,uma organização que controlava,até outubro de 2023,um enclave com tamanho equivalente a um quarto da cidade de São Paulo,o Hezbollah se tornou desde 2006 a maior força militar não estatal do planeta. Apoiada pelo Irã,que anualmente lhe fornece US$ 700 milhões (R$ 3,86 bilhões),e por recursos de empresas e redes criminosas,a organização teria até 100 mil homens aptos ao combate,um arsenal de 200 mil mísseis e projéteis e um sistema de defesa capaz de conter caças israelenses.
Um relatório elaborado no começo do ano pelo Instituto de Contraterrorismo da Universidade Reichman com mais de 100 especialistas,militares e integrantes do governo,sinalizou que uma guerra total contra o Hezbollah seria brutal não apenas para o grupo,mas também para Israel.
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Segundo o documento,chamado de “Fogo e Sangue”,o Hezbollah tem capacidade para lançar até 3 mil projéteis por dia contra Israel,ao longo de pelo menos três semanas. Alguns deles,como os iranianos Fateh-110,são guiados e têm alcance de até 500 km. Na prática,qualquer lugar de Israel,inclusive o aeroporto Ben Gurion,em Tel Aviv,e portos distantes,poderia ser alvejado.
Mais do que a precisão dos mísseis,a quantidade dos disparos preocupa. O sistema de defesa aérea Domo de Ferro,que tem uma taxa de interceptação de até 90%,não tem,segundo analistas,capacidade para enfrentar tantos projéteis ao mesmo tempo,sejam eles de alta precisão,sejam eles os mais simples foguetes Katyusha ou Falaq-1. O relatório é unânime ao apontar que Israel venceria uma eventual guerra,mas os custos seriam elevados.
Durante o ataque inicial de 7 de outubro de 2023,o Hamas lançou cerca de 3 mil foguetes contra Israel em cerca de 24 horas,mas essa foi apenas uma “salva inicial”,e o número caiu posteriormente. Em 2006,durante os 34 dias de guerra com Israel,o Hezbollah lançou,ao todo,4 mil foguetes.
Foguetes lançados pelo Hezbollah são interceptados pelo sistema Domo de Ferro,de Israel — Foto: Jalaa MAREY / AFP
Caso Israel decida por uma incursão terrestre,o que parece se desenhar com as recentes movimentações de tropas,o conflito ganharia tons ainda mais dramáticos. Apesar das forças israelenses estarem entre as mais bem treinadas do planeta,elas enfrentarão um Hezbollah aperfeiçoado ao longo das últimas décadas e com experiência de batalha recente — o grupo apoia o presidente da Síria,Bashar al-Assad,durante a guerra civil iniciada em 2011,e recebeu treinamento da Guarda Revolucionária iraniana.
Os soldados de Israel também estão “exaustos”,como apontou reportagem do jornal Maariv: com tropas em combate há quase um ano e formadas em grande parte de reservistas,esse cansaço pode influenciar em eventuais ações por terra,ainda mais se forem prolongadas.
Os combates seriam inicialmente travados na zona (teoricamente) desmilitarizada pela resolução 1.701 do Conselho de Segurança da ONU,que encerrou a guerra de 2006,e se estenderiam por aldeias próximas à fronteira,controladas pelo Hezbollah. E a região guarda uma semelhança (incômoda para Israel) com Gaza: uma ampla rede de túneis,usados para ações armadas ou para o transporte de veículos.
Arsenais de Israel e Hezbollah — Foto: Editoria de Arte
A guerra,apontam as projeções,não estaria restrita à fronteira. Como em 2006,Israel atacaria infraestruturas básicas do país,abaladas pela sequência de crises vividas desde a década passada. E integrantes do governo israelense sinalizam que não distinguirão o Hezbollah do Estado libanês.
— É importante que sejamos claros: o responsável pelos disparos do Líbano não é apenas o Hezbollah ou os elementos terroristas que o executam,mas também o governo do Líbano e o Estado libanês que permitem os disparos de seu território — disse Benny Gantz,ex-integrante do Gabinete de Guerra,em fevereiro.— Não há alvo ou infraestrutura militar na área do norte e do Líbano que não esteja em nossa mira.
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Levantamentos feitos pouco depois da guerra de 2006 estimaram que o conflito teve um custo estimado de US$ 2,8 bilhões (R$ 15,44 bilhões) para o Líbano e provocou uma grave crise econômica no país. Números que parecem pequenos diante dos vindos de Gaza: estimativas apontam que a reconstrução do enclave custaria até US$ 80 bilhões (R$ 441,17 bilhões) — para a economia israelense,o Banco Central local estimou os gastos em US$ 55,6 bilhões (R$ 306,61 bilhões) entre 2023 e 2025.
Militares israelenses fazem patrulha nas Colinas de Golã,anexadas por Israel em 1967 — Foto: Jalaa MAREY / AFP
Evitar a guerra parece possível. Os EUA,principais aliados de Israel,lançaram uma ofensiva diplomática para abafar as tensões e conseguir ao menos um acordo preliminar. Uma proposta mencionada sugere mudar os termos da resolução 1.701,afastando o Hezbollah da fronteira e colocando tropas libanesas em seu lugar,além de fortalecer o contingente de militares da Unifil,a força de paz da ONU para a área,que hoje conta com 13 mil militares.
— Hoje a Unifil não tem capacidade de cumprir seu mandato,que é garantir que parte da fronteira seja completamente desmilitarizada,onde apenas a Unifil e o Exército libanês poderiam ter armas — disse ao GLOBO o mestre em Ciências Militares e coronel da reserva do Exército,Paulo Filho. — Infelizmente,hoje a Unifil não tem condições para manter esse mandato.
Pelo plano,Israel se comprometeria ainda a interromper os voos de drones e caças sobre o Líbano e iniciaria negociações com Beirute sobre a chamada Linha Azul,que separa os dois países.
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Caso a diplomacia fracasse,os EUA prometeram defender os israelenses,como fizeram no ataque com mísseis vindos do Irã em maio. Teerã,que apoia o Hezbollah,pode aumentar seu suporte direto ao grupo,através de envios de armamentos e ataques com suas forças aliadas no Iraque,Síria e Iêmen. Contudo,Paulo Filho acredita que nem americanos nem iranianos desejam um envolvimento maior na hipotética guerra,seja por motivos políticos ou autopreservação.
— O Irã precisa dar alguma resposta,mas também evitar uma guerra total contra Israel — afirmou. — Se houver uma guerra no Líbano,haverá planos logísticos,mas até um limite máximo para evitar um engajamento com Israel.
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