Rio Miranda,que nasce no Cerrado e vai até o Pantanal,por baixo de ponte de distrito em Bonito (MS): pescadores estão preocupados — Foto: Gustavo Figueroa/SOS Pantanal
Rio Miranda,que nasce no Cerrado e vai até o Pantanal,por baixo de ponte de distrito em Bonito (MS): pescadores estão preocupados — Foto: Gustavo Figueroa/SOS Pantanal
GERADO EM: 24/07/2024 - 04:30
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Nos últimos meses,a água do Rio Miranda,que já chegou a uma altura de oito metros,formou apenas poças no que parece um caminho de terra embaixo da Ponte 21,no distrito de Águas do Miranda,em Bonito (MS). A seca é comum todo ano,mas dessa vez,nem a temporada de chuva trouxe de volta a vazão do Miranda,que nasce no Cerrado e deságua no Rio Paraguai,no Pantanal. Sua última grande cheia foi há seis anos e pescadores procuram novas formas de subsistência.
Em meio a escassez extrema: MP abre inquérito para apurar seca no Rio da Prata,que atrai turistas em BonitoRisco de estiagem e fogo: Seca faz três dos rios mais importantes do Pantanal baixarem para seu menor nível
O esvaziamento do Miranda reflete um processo que se espalha pelo país: desde 1985,o Brasil perdeu 30% de suas águas naturais,aponta o MapBiomas. O Pantanal foi o bioma mais afetado. Em 2023,a sua área alagada foi 80% menor que o observado em 1985,quando começou a série histórica do monitoramento.
Longos ciclos de secas não são um evento raro,segundo especialistas. Mas o retorno da chuva recupera o nível dos rios e lagos. A preocupação agora é a possibilidade de o ciclo ser interrompido,já que as florestas estão cada vez mais devastadas,afetando o regime de chuva e a retenção de água no solo. Além disso,os eventos extremos de secas e inundações estão mais frequentes,devido às mudanças climáticas.
— Todo ano temos períodos mais secos. Este ano,porém,está mais complicado. Com período reduzido de chuvas,enfrentamos um rio com acesso dificultado e alguns peixes deixam de migrar para as cabeceiras no tempo certo — conta Lucimara Henrique,presidente da Colônia de Pescadores de Águas do Miranda,preocupada com a diminuição de populações de piavuçu,piraputanga,pacu,pintado e dourado. — Estamos sofrendo com o calor excessivo.
Rios extensos e volumosos raramente deixam de existir. Mas um fenômeno que vem se espalhando é a transformação de um rio perene,com vazão suficiente o ano inteiro,em intermitente,que fica seco em boa parte do ano.
No Rio Grande do Sul,uma longa seca só foi interrompido em abril do ano passado,quando o El Niño passou a atuar com muita influência,acarretando fortes chuvas. Mas nos quatro anos anteriores,diversos rios secaram. No Sul da Bahia,as secas recentes nos rios Almada,Colônia e Salgado expuseram o problema na Mata Atlântica.
A Amazônia,onde fica mais de 60% da superfície de água do país,sofreu uma das suas secas mais severas no ano passado,afetando o transporte fluvial da população e de mercadorias e deixando comunidades ribeirinhas e indígenas em completo isolamento por meses. A cheia de 2024 não foi o suficiente e há expectativa de novas e graves estiagens em breve. Neste mês,os rios Madeira e Acre estão com os seus menores níveis da história.
O MapBiomas Água mostra que a área de superfície alagada do país foi,no ano passado,1,5% menor que a média histórica. Em biomas como Cerrado e Caatinga,os reservatórios artificiais — hidrelétricas e lagos de mineração — já são maiores que os corpos hídricos naturais,como rios e lagoas.
Coordenador do MapBiomas Pantanal,Eduardo Rosa explica que a seca atual é semelhante à vivida na década de 1960 na região. Se na década de 1980 o Pantanal ficava pelo menos metade do ano alagado,hoje o “pulso de inundação” dura dois meses. Com isso,muitos rios perderam seus níveis de vazão,como o Taquari,que há alguns anos tem trechos totalmente secos. O próprio Rio Paraguai,o mais importante do bioma,também sofre.
— A planície do Pantanal é o reflexo da chuva no Planalto,na bacia hidrográfica do Paraguai. Desde o ano 2000,os picos de inundação têm alagado menos áreas e por tempos mais curtos — diz Rosa,acrescentando que o alagamento do Pantanal depende das chuvas no Norte,no Cerrado,que enchem o Rio Paraguai até ultrapassar a cota de 4 metros.
O Pantanal vem batendo recordes de focos de calor em função de uma seca histórica neste ano. Os prejuízos dos grandes incêndios de 2020 sequer foram recuperados,lembra Rosa. O coordenador destaca que desde 1985 a área com atividades humanas de impacto no bioma praticamente dobrou,passando de 23% para 42% do total do território. Com menos floresta,a chuva que abastecia os lençóis freáticos é menos absorvida e ainda carrega sedimentos para os leitos dos rios,facilitando os assoreamentos.
— Talvez,no futuro breve,mesmo com chuva,a inundação vai ser diferente do que a de 60 anos atrás — diz Rosa. — O Pantanal está mais suscetível ao fogo.
Na Amazônia,o fim de um rio causou impactos sociais,ambientais e turísticos. O Rio Araguari,no Amapá,era famoso por suas pororocas,encontro das suas águas com as do Oceano Atlântico que formavam ondas em seu leito e atraíam surfistas de todo o mundo. Desde 2015,a pororoca parou de acontecer,resultado da seca e da mudança do curso do rio. Além da diminuição de chuva,houve a construção de três hidrelétricas no entorno do Araguari,a abertura de canais para levar águas a fazendas e degradação causada pelo pisoteio de búfalos criados na região.
— O rio começou a ser desviado por um canal. A foz secou,ficou assoreada e não existe mais — conta Bruno Ferreira,pesquisador do Imazon das equipes Água e Amazônia. — Isso impactou na reprodução de peixes,na pesca e no turismo.
Segundo Ferreira,é possível que em novos ciclos de seca,lagos deixem de existir na Amazônia.
— No ano passado,os lagos de Tefé e de Coari ficaram secos por meses. É improvável que rios mais extensos desapareçam,mas só de diminuir a vazão já impacta a população e a fauna. Em relação a lagos,é bem possível que alguns deixem de existir com a nova dinâmica de temperatura global.
Professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da UFRGS,Fernando Mainardi Fan diz que a natureza sempre conviveu com longos ciclos de seca ou de chuva e possui um sistema de “auto regulação” para se recuperar. O problema é que,com a ação humana,esse sistema de proteção se perde.
— O país está mais seco. O Pantanal e a Amazônia são duas grandes caixas d’água do Brasil,mas vem secando. Agora tem que chover muito acima do normal para encher de novo — diz o professor,que destaca a necessidade de adaptações das cidades com as mudanças climáticas. — Os modelos apontam que o Sul será mais chuvoso e o Norte mais seco. Já na região central há uma incógnita.
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