Kamala cumprimenta apoiadores na Norwest Art Gallery,pequeno negócio comandando por negros,no Michigan — Foto: Geoff Robins / AFP
Kamala cumprimenta apoiadores na Norwest Art Gallery,pequeno negócio comandando por negros,no Michigan — Foto: Geoff Robins / AFP
GERADO EM: 20/10/2024 - 04:30
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Quando Barack Obama chamou a atenção de homens negros,durante um comício na semana passada,por não demonstrarem por Kamala Harris a mesma empolgação que tiveram por ele em 2008,um calcanhar de Aquiles da vice-presidente acabou exposto em praça pública. Será que a misoginia poderia pesar contra ela nas eleições? Com Kamala e o ex-presidente Donald Trump tecnicamente empatados em todos os estados decisivos,a mobilização de eleitorados tradicionalmente alinhados a um partido,como são os negros para os democratas,é crucial para ganhar a Casa Branca.
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Em quatro dos sete estados-pêndulo — Geórgia (33% do eleitorado),Carolina do Norte (23%),Michigan (14%) e Pensilvânia (11%) — o voto negro pode definir o próximo presidente dos Estados Unidos. Embora à primeira vista Kamala pareça a escolha natural,a falta de engajamento dos homens desafia a campanha. Enquanto a vice-presidente precisa incentivar grupos estratégicos a superarem a apatia aos democratas e ir às urnas,a retórica inflamada de Trump parece funcionar para mobilizar sua base a sair de casa.
— Haverá um comparecimento grande na Filadélfia (Pensilvânia),onde há muitos eleitores negros que Kamala precisa motivar a ir votar. Ela também deve mobilizá-los no Michigan,que tem uma população negra significativa em Detroit e,depois em Milwaukee,Wisconsin. São os três estados decisivos do Meio-Oeste e todos têm uma população negra considerável — analisa ao GLOBO David Schultz,cientista político e professor da Universidade Hamline,em Minnesota. — Se ela conseguir atrair um número suficiente de eleitores negros,talvez consiga vencer também na Carolina do Norte. Há ainda a Geórgia,especialmente o condado de Fulton,onde fica Atlanta. Ou seja,em vários estados-chave os homens negros são suficientemente decisivos. Se ela obter o mesmo apoio que Obama,isso a ajudaria muito a vencer.
O ex-presidente Barack Obama discursa em comício em Pittsburgh,na Pensilvânia,estado-chave nas eleições — Foto: RYAN COLLERD / AFP
Mas,até 5 de novembro,Kamala precisará conquistar esses votos em meio ao descontentamento com as políticas econômicas do governo do presidente Joe Biden e à exaltação à masculinidade feita por Trump. Parte da estratégia republicana é transformar esta eleição num déjà vu de 2016,quando o republicano derrotou a democrata Hillary Clinton apelando para estereótipos de gênero. Se,no duelo contra Hillary,o magnata disse que ela usava a "cartada da mulher" e "não teria 5% dos votos" se fosse um homem,Kamala foi chamada de "louca" e até sua risada foi alvo de escrutínio.
Contexto: Divisão por gênero cresce entre eleitores jovens e desafia Trump e Kamala
Uma pesquisa New York Times/Siena College,divulgada na semana passada,mostrou que Kamala está com uma performance pior entre eleitores negros do que Biden em 2020 — 82% de apoio contra 92% do atual presidente. A distância é ainda maior entre homens negros: 15 pontos percentuais a menos. E,apesar de sua ampla vantagem em relação a Trump nesse eleitorado,o magnata tem feito avanços,sobretudo entre os mais jovens,adotando estratégias que vão dos ataques à política econômica do atual governo à desinformação em massa.
— Trump afirma que as pessoas negras estão mais pobres hoje porque os democratas foram muito flexíveis com a política migratória,e alega que os imigrantes estão tomando seus postos ao cobrarem salários mais baixos — diz Lucas Leite,professor de Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP).
Apesar dos resultados macroeconômicos positivos apresentados pelo governo Biden,a população negra foi particularmente afetada pelo desemprego e pelo boom inflacionário durante a pandemia. Mesmo com a queda na inflação nos últimos meses,os preços não retrocederam aos patamares anteriores,o que tem servido à campanha republicana para questionar os eleitores se a vida está melhor agora do que há quatro anos,quando Trump era presidente.
Na segunda-feira,Kamala anunciou uma lista de políticas que pretende implementar se for eleita mirando homens negros,como o perdão a dívidas de pequenas empresas,programas de mentoria para empreendedores e maior investimento em tratamentos contra doenças que atingem particularmente o grupo. De olho nos jovens,ela já havia apresentado sua agenda de "economia da oportunidade" incluindo uma limitação a aumentos do aluguel e um subsídio de até US$ 25 mil para quem comprar casa pela primeira vez.
Na última semana,a campanha democrata dedicou todos os seus esforços para trazer os homens negros para perto. Kamala deu entrevistas para jornais e rádios voltados para o público,participou de rodas de conversa em centros religiosos e universidades historicamente negros,e começou a rodar propagandas nos intervalos dos jogos da Liga de Futebol Americano (NFL,na sigla em inglês),mirando homens de forma mais ampla.
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Há menos de três semanas da eleição,porém,paira a incerteza em relação a quanto as movimentações podem surtir efeito,sobretudo numa eleição marcada pela disparidade no voto entre homens e mulheres.
— Muitas pessoas supunham que Kamala iria construir uma candidatura com base na sua identidade enquanto mulher,negra e de origem indiana,mas ela não tem feito isso. Mesmo assim,há evidências de que o voto das mulheres migrou para ela,aumentando a disparidade de gênero entre eleitores: mulheres apoiam Kamala e homens apoiam Trump — analisa Schultz. — Olhando para o eleitorado negro,Obama está certo. Homens negros de todas as idades parecem não estar tão entusiasmados com Kamala,e há duas teorias para isso: ou ela não está falando sobre os seus problemas ou é um caso de sexismo.
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Segundo Leite,os EUA são baseados em estruturas majoritariamente masculinas: o militarismo,o meio rural e a igreja,que difunde a ideia do homem como provedor. Nesse sentido,é mais difícil reunir um consenso em torno de Kamala do que de Obama ou mesmo de Biden,explica.
— A ascensão populista de extrema direita nos EUA,que Trump vocaliza,representa justamente isso. Hoje,Kamala Harris tem que lidar com duas categorias de preconceito: racial e de gênero — diz Leite,explicando o peso do atual contexto: — Foram oito anos de Obama,depois Trump e Biden,e há uma crítica por parte da comunidade negra ao próprio Obama,por ele não ter conseguido cumprir várias de suas promessas. Quando analisamos de um período ao outro,a esperança que existia com Obama não existe com Kamala,em parte porque ela foi vice de um governo em “banho-maria” e precisou lidar com novas barreiras.
O receio de um “efeito Hillary” se repetir este ano fez parte do cálculo da campanha democrata,que evita explorar o ineditismo da candidatura de Kamala como mulher negra,temendo que isso lhe custe votos.
— Em 2016,ficou bem claro que Hillary estava concorrendo como a primeira mulher candidata à Presidência. E há evidências em muitas pesquisas que seu gênero foi um motivo pelo qual muitos homens não votaram nela — pontua Schultz. — Agora,vários anos depois,se começarmos a analisar os indivíduos que estão pensando em não votar em Kamala,cada vez mais parece que se trata também de uma questão de misoginia.
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